Foi ao ascender ao inferno
que pude rever minha face esquecida.
Tantos rostos sofridos,
reflexos da doce esquizofrenia.
Em cada estadia no sofrimento,
que incendeia corpo a dentro
enquanto a pele se arrepia
com o abraço gélido da culpa;
eu não conseguia lembrar...
nem mesmo agora,
haja visto que é nelas
que me encontro ou me desolo.
Não existe inferno certo
para cada atitude errada.
É nesse estado que exibo
minha impotência de mamífero
que ainda não perdeu
o cordão do seu umbigo,
afastando-me, cada vez mais,
do humano que fui outrora.
Quando sucumbimos ao calor do momento
quase nunca suportamos de pé
ao ver o destino em chamas,
ilustrado por semblantes angustiados,
uma sinfonia de gemidos
que consome a alma.
Nunca estive no inferno,
nem astral nem carnal,
até o instante em que olhei para baixo
e avistei o céu.
Feliz daquele que sente o celeste
mesmo na linha divisória.
Conscientes, os que o percebem estando nele.
Tolos, os que ali permanecem,
mas deixam o umbigo atrair todo o olhar
para cima,
vendo apenas o que querem,
não o que já têm...
ou o que são.
Eu carrego os três
em uma única existência.
A pior parte do inferno
é olhar para todos
e não ver ninguém além de mim.
Uma legião de demônios com minha face
chicoteando miseráveis
de meus próprios traços.
A dor satisfatória de agredir,
mesclada ao deleite insuportável
de estar sendo ferido.
Jamais estive no inferno,
pois não há lembranças minhas do pós-morte.
É o inferno que arde aqui dentro,
e não há tempo
para apagar meu coração infame.
Max Moraes da Silva – sexta, 06 de setembro de 2019
reeditado em terça, 19 de novembro de 2024